O MUNDO PARALELO DOS CANDIDATOS

Por Silvio Bressan, sócio-diretor da Fato Relevante

Publicado em 30 de março de 2022


O próximo sábado (02) será o último dia para que titulares de cargos executivos (prefeitos, governadores, presidente e seus vices) e candidatos a outros postos renunciem aos seus mandatos. Em um mundo ideal, esse prazo para a desincompatibilização dos cargos deveria vir acompanhado de um limite para a compatibilização com a realidade. Por enquanto, cada candidato parece habitar um mundo paralelo que nunca é o mesmo do eleitor. Estamos há seis meses da eleição e até agora não sabemos o que pensam ou o que pretendem fazer os candidatos sobre os principais problemas do país e do mundo. 

  Na verdade, estamos há bem mais tempo sem qualquer rumo. Desde os nomes até as propostas, as últimas campanhas parecem ter condenado os brasileiros a um eterno “looping” eleitoral: passamos meses fingindo que estamos discutindo as melhores opções para, no final, escolher a menos pior; criamos a ilusão de que atuaremos a favor de um candidato ou uma causa para, no fim das contas, apenas votar contra quem não queremos.

   E pelo que o mercado eleitoral tem oferecido, as perspectivas para esse ano não serão muito diferentes. Alguém aí já ouviu uma análise profunda ou uma proposta concreta para o país enfrentar as sequelas econômicas, sociais e culturais da Covid-19? E se houver uma nova onda ou, pior, surgir outra pandemia? Algum comentário, uma frase que seja, sobre como o país poderá conviver com as consequências da guerra na Ucrânia? E se o conflito se alastrar? Silêncio… Melhor cuidar dos conchavos, espalhar um boato aqui, correr para apagar um incêndio ali, criar uma cortina de fumaça acolá… E os fatos? Ora, como já dizia o escritor Nelson Rodrigues, “se os fatos são contra mim, pior para os fatos”.

   É nessa toada que a campanha vai ganhando espaços na mídia e perdendo oportunidades de ajudar o eleitor a entender, discutir e decidir melhor sobre o destino do país. Se a guerra explode na Europa e o preço do combustível dispara, tem sempre uma fake news ou uma polêmica com um membro do STF para distrair o público. Se o escândalo de um ministro recoloca o tema corrupção na agenda da campanha, melhor mudar de assunto e criticar o Congresso. De um lado e de outro, interessa muito mais o adjetivo do que o substantivo; a versão ao invés do fato; a conveniência onde deveria haver convicção.

   No meio do caminho, os aspirantes à terceira via não se saem muito melhor. Assim como os dois principais candidatos, cada um está mais preocupado com questões pessoais e paroquiais do que em discutir grandes projetos para o futuro do país. Sempre de olho no humor das redes e nas recomendações de seus marqueteiros, buscam frases de efeito, memes, lives com celebridades e cenas bonitas para o programa partidário em busca de cliques ou lacração.

   Nessa fase, antes da campanha oficial, a autofagia comanda o espetáculo. Vale mais cancelar um adversário interno em disputas locais do que polemizar com adversários de outros partidos sobre os grandes temas nacionais. Sem entender qual seu papel nessa história, o eleitor segue com a sensação de que já viu esse filme e aquela incômoda desconfiança de que não vai gostar do final.

Silvio Bressan

Sócio-diretor da Fato Relevante