AFINAL, O QUE A GESTÃO DE NEGÓCIOS E DE PESSOAS TEM A VER COM O ANIVERSÁRIO DA DECLARAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS?

Por Terciane Alves, sócia-diretora da Agência Fato Relevante

Publicado em 10 de dezembro de 2021

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Esse é o primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, criada em 10 de dezembro de 1948, pela Assembleia Geral da então recém-nascida Organização das Nações Unidas, como uma regra comum a ser adotada por todos os governos e  todas as nações do mundo, incluindo o Brasil que foi signatário desde o começo. Uma sugestão: que tal uma roda de leitura na sua empresa sobre esse documento e um debate a respeito do que a sua organização já faz em apoio a esses direitos? Surgirão, creio, surpresas inesperadas de já contribuírem de forma significativa e também do desejo de participação das pessoas. 

Ler este documento (A Declaração Universal dos Direitos Humanos) pode até nos remeter à utopia, se observarmos com atenção os baixos indicadores sociais de cidades e estados do Brasil e em vários países do mundo que desafiam governos e profissionais comprometidos com uma vida mais digna. Mas nos cabe buscar soluções. E, para responder efetivamente a essas situações de vulnerabilidade, não podemos esquecer: há exemplos consolidados de inúmeros projetos que utilizam os artigos e princípios presentes na Declaração de Direitos Humanos, grande inspiradora de nossa Constituição, como fonte indutora de criação de ações, tanto  por iniciativa de organizações não-governamentais, outra grande parte por governos e, principalmente, algo muito recente na história contemporânea, programas de garantia de direitos  criados por todos em parceria, com grande engajamento de empresas, sociedade e governo. 

Empresas e direitos humanos

Para escrever esse texto, me inspirei muito na fala de Eleanor Roosevelt, integrante da Comissão da ONU em 1948, figura importante na construção da Declaração de Direitos Humanos. E também na experiência que tive como comunicadora na política municipal para o Desenvolvimento Integral da Infância São Paulo Carinhosa (2013-2016). 

Onde afinal começam os direitos humanos, costumava ponderar e responder a Eleanor. “Em lugares pequenos, perto de casa, – tão perto e tão pequenos que não podem ser vistos em qualquer mapa mundi. Ainda assim, esse é o mundo de casa pessoa.” Para Eleanor,  a vizinhaça onde mora, a escola, a faculdade onde frequenta, o local de trabalho, esses lugares são os espaços onde cada homem, mulher e criança buscam uma justiça igualitária, oportunidades iguais, sem discriminação, caso esses direitos não sejam significativos em tais espaços, eles não vão ter significado em lugar algum. “Sem a ação organizada dos cidadãos para defendê-los próximos a sua casa, nós esperamos em vão por progressos no mundo como um todo. Eleanor Roosevelt.” 

A fala de Eleanor me motivou a pensar sobre dois aspectos. Relembro aqui alguns projetos que vivenciei e também os convido a ler em voz alta com suas equipes os artigos que preconizam direitos e responder à pergunta: de que maneira minha empresa, objeto de negócio e eu como profissional contribui para a garantia e melhoria desses direitos?

Iniciativas 

Alguns exemplos que pude observar como profissional de comunicação na gestão pública. Foco na infância devido à experiência recente e por ser direito à infância um tema que muito me desafia. Uma grande escola global de formação de executivos de negócios patrocina um programa para capacitar gestores públicos em desenvolvimento de políticas públicas para a infância. Sabemos o quanto é impactante no Brasil o déficit de escolas para crianças de zero a três anos e também enxergamos as dificuldades que uma criança pode viver no seu presente, com impactos  na vida adulta, se nos primeiros mil dias de vida, ele não tiver uma nutrição adequada, bons cuidadores de referência e estímulo ao desenvolvimento da linguagem. Há estudos que demonstram déficits cognitivos e violência na vida adulta. E sabemos principalmente o quanto os governos têm dificuldade de investir na formação de profissionais. Tal projeto deu origem e se conecta com a maior lei já criada no País, o Marco Legal da Primeira Infância. 

Estimulado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, um grande banco lança um edital anual para conselhos municipais da infância inscreverem projetos de diversas naturezas com foco no estímulo à educação. Um outro programa de uma organização holandesa do qual participei estimula, com recursos, cidades mais amigáveis às crianças, ou seja, transformação dos  espaços, de moradia. Estimulam ações para reduzir a violência, aumentar a salubridade e os cuidados pessoais, o estímulo ao brincar. 

A organização é apoiada por empresas, principalmente no ponto de vista da comunicação. É muito importante resgatar, trago ainda ainda o exemplo de uma instituição inglesa atuante no Brasil que tem apoio de empresas para manter uma casa com jovens adolescentes grávidas, vítimas de violência ou abuso familiar e que precisam resgatar e reconstruir suas vidas. 

O que nos cabe?

Na perspectiva de empreendedores, especialistas comprometidos com o futuro, recomendo a leitura de vários editais, leis de incentivo, inclusive internacionais que nos orientam a construir condições de mitigar danos, melhorar a formação de pessoas, combater à fome, à desnutrição, os déficits de desenvolvimento cognitivo infantil, combater à violência de qualquer tipo e apoiar o direito à moradia.

Recomendo ouvir especialistas que nos apoiem a promover a transformação de espaços sociais, com avanços mensuráveis. Como comunicadores (jornalistas, relações públicas, profissionais de marketing) temos a missão de tornar mais transparentes essas iniciativas. A Declaração, segundo a ONU, está disponível em mais de 500 idiomas. 

Há inúmeras empresas com o propósito de gerar riqueza, mas também contribuir com desenvolvimento social, dignidade, liberdade e respeito. Esse debate avança no país, ao passo que o noticiário de desrespeito à vida também cresce.  A intensidade, meio e foco dos projetos que uma organização pode atuar é o que difere. E as novas gerações estão muito atentas de que maneira aportar os seus talentos nisto tudo. Todas as leis de direitos humanos estão ancoradas neste documento.

Comunicação e direitos humanos

É importante destacar o quanto é oportuno discutir negócios, comunicação e sustentabilidade neste 10 de dezembro, quando o documento mais traduzido do mundo, segundo o Guinessbook, difundido em pelo menos 300 países, a carta da Declaração Universal dos Direitos Humanos, celebra aniversário.  Outro aspecto importante aos comunicadores, pode até não ser tão declarado ao público externo ou mesmo interno, mas as empresas compromissadas com negócios que assegurem o futuro da humanidade têm essas agendas de sustentabilidade (e devem ter ainda mais) vinculadas à evolução dos direitos. A Declaração inspirou dezenas de instrumentos de direitos humanos que, juntos constituem a agenda internacional de direitos humanos, e diversas organizações e mecanismos. Não se faz direitos humanos sem comunicação, expressão, exposição de ideias e escuta. 

Por algumas razões que não valem a pena nos aprofundarmos agora, a agenda de direitos humanos tem sido estigmatizada como algo de esquerda. O fato é que a origem de sua construção sempre incluiu liberais que estimularam assegurar a vida privada e outros princípios e progressistas em princípios de equidade. É uma agenda para todos e para todas e todos. 

A história do crescimento da geração de renda por meio industrial e de serviços segue em paralelo à conquista de direitos e, principalmente,  ao desafio de assegurá-los. Não há como falar  da produção de riqueza de um país (e hoje de inovação) sem falar do avanço em direitos humanos. Muitas empresas privadas, ou isso a que damos o nome de meio corporativo, têm estimulado agendas de negócios que prezam, por exemplo, aos modernos ESG (environmental, social and governance, ou, em português, “ambiental, social e governança) e Objetivos do Desenvolvimento Social, ao compliance. 

É preciso ficar mais claro que o universo de negócios, para construir avanços, têm como carta magna os conceitos de direitos humanos. Há dispositivos interessantes e processos formativos que ajudam o empreendedor a gerar agendas e projetos indutores do crescimento social, dos princípios da equidade.

Origens da Declaração

Voltando ao tempo para recuperar o contexto do seu surgimento. Finda a Segunda Guerra Mundial, em 1945, ficou claro que os horrores não poderiam se repetir. Para prevenir atrocidades futuras, a recém criada Nações Unidas difundiu a crença nos direitos fundamentais: a dignidade, e a crença no ser humano, e o compromisso de promover melhor qualidade de vida e mais liberdade. Nos três anos seguintes, os Estados membros das Nações  Unidas (incluindo o Brasil) se esforçaram para desenvolver as determinações sobre direitos humanos estabelecidas pela Carta e capturá-las em um único documento. 

Reler os 30 artigos pode significar um encontro saudável com a base de todas as leis contemporâneas que defendem os direitos essenciais de todo o ser humano, como o direito à vida, à integridade física, à livre expressão e à associação, sem qualquer distinção de raça, cor, sexo, religião ou visão política. Alguns para relermos juntos.

“Não à discriminação, direito à vida, à liberdade e à segurança, ninguém será mantido em escravidão. Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante, igual proteção da lei. Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado, Direito a uma justa audiência. Ninguém será sujeito a uma interferência em sua vida privada. Direito de ir e vir. Direito de procurar e receber asilo. Direito a uma nacionalidade. Direito de casar e criar uma família. Direito à propriedade. Direito à liberdade de pensamento, consciência e religião. Liberdade de opinião e expressão. Diretor de participar de um governo. Direito ao trabalho. Direito ao repouso e ao lazer. Direito ao vestuário, alimentação, participar da vida cultural. Te convido a complementar essa lista. É um direito seu à livre expressão. 

Terciane Alves é sócia-diretora da Fato Relevante, jornalista, coordena contas de Educação e Inovação e tem certificação em gestão de política pública para a infância pelo BID. Foi coordenadora de comunicação da São Paulo Carinhosa, política da infância na cidade de São Paulo que integrou 14 secretarias de governo.

Terciane Alves

sócia-diretora da Agência Fato Relevante