2022 E A MARCA QUE ESSA GERAÇÃO AINDA BUSCA NO MUNDO

Por Silvio Bressan, sócio-diretor da Fato Relevante

Publicado em 9 de novembro de 2021


Para quem divide sua rotina entre o acompanhamento diurno da política e o estudo noturno da História, o novo slogan da FR, “sua marca no mundo”, representa mais do que um desafio pessoal. A menos de um ano de uma das eleições mais importantes da história do país, trata-se de uma opção de vida para as atuais gerações: deixar sua marca no futuro do Brasil ou ficar marcada por não ter nenhuma. É a partir de tudo o que fizermos daqui para a frente – com o nosso trabalho, nossas atitudes e o nosso voto – que seremos lembrados ou esquecidos pelos historiadores do futuro. E será essa página da História que começaremos a escrever, rasurar ou descartar a partir da eleição de 2022.

Hoje, final de 2021, a folha ainda está por ser preenchida e seu conteúdo nos enche de expectativa. O fim próximo da pandemia e a escolha de um novo governo daqui a 11 meses são motivos para renovadas esperanças, retomada de projetos profissionais, realizações pessoais interrompidas e fé num país melhor. Para quem ainda necessitar de inspiração em alguma efeméride, teremos as comemorações do bicentenário da independência e do centenário do movimento modernista.

Todas essas metas na vida e no trabalho, porém, esbarram nas nossas dúvidas sobre o futuro do país e a melhor escolha para sua condução. Por ora, as pesquisas eleitorais indicam mais resistências do que apoios. Em levantamento realizado em junho deste ano pelo PoderData, do portal Poder 360, os cinco primeiros candidatos proporcionaram um empate inusitado na rejeição. Para cada um desses nomes citados, entre 46% e 50% dos entrevistados respondia que não votaria de jeito nenhum. Sabemos bem o que não queremos, mas ainda hesitamos em fazer qualquer aposta. É bem verdade que as últimas eleições não foram diferentes, mas por isso mesmo já deveríamos ter aprendido algo.

Enquanto isso, no curto prazo, nossas ações e omissões seguirão rendendo muitas polêmicas e confusões, brigas familiares, amizades rompidas e perfis cancelados. Haverá ainda muita fumaça antes de descobrirmos a quantidade de fogo e intensidade das brasas por trás de toda essa cortina. Os tempos continuarão perigosos, porque o calor aquece mas o fogo destrói e a fumaça asfixia. E talvez leve mais tempo do que o desejável até que tenhamos assimilado algumas lições dessa época de pandemia, crises e intolerância.

Só então, quem sabe daqui a alguns anos ou décadas, poderemos buscar o comum e não o idêntico nas pessoas das quais discordamos; valorizar mais as ideias e o caráter sem se importar com o credo, gênero, raça ou orientação sexual de cada um; saber que a ciência nos trouxe até aqui e só ela poderá nos levar adiante; ter menos home office e mais “home ócio”; contar com mais pessoas e menos telas nas nossas vidas… Serão essas as construções que nos permitirão deixar ou não uma marca para as próximas gerações. E não precisamos esperar 2022, aguardar que alguém dê o primeiro passo ou seguir algum berrante. O objetivo é comum, mas o caminho é individual e intransferível. É agora, não existe outra hora.

Em 1961, o então presidente americano, John Kennedy (1917-1963), desafiava o público no seu discurso de posse: “Não pergunte o que seu país pode fazer por você. Pergunte o que você pode fazer pelo seu país.” Cinquenta anos depois, em tempos de grandes discussões sobre o futuro da educação e do meio ambiente no planeta, talvez seja melhor propor outro lema: Não pergunte que mundo você quer deixar para seus filhos, mas que filhos você vai deixar para esse mundo.

A partir dessas respostas, que podem levar 50 ou 500 anos, as próximas gerações e os historiadores do futuro avaliarão se fizemos ou não por merecer uma marca digna desse nome. Talvez só então seja possível responder às indagações que incomodam o historiador português Rui Tavares e atormentam cada um de nós nesses tempos intolerantes: “O que acontecerá com nossas polêmicas quando já ninguém mais se lembrar delas, quando já ninguém entender o significado das palavras com que tanta energia gastamos e tanto fôlego perdemos?” Esse é o grande problema de não ter uma marca para deixar. Sem ela, ninguém vai lembrar que estivemos por aqui.

Silvio Bressan

Sócio-diretor da Fato Relevante