DIA DA LIBERDADE DE PENSAMENTO: UM MARCO PARA COMEMORAR, UMA DATA PARA REFLETIR

Por Silvio Bressan, sócio-diretor da Fato Relevante

Publicado em 14 de JULHO de 2022


“Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.

O texto acima está no artigo XIX, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, anunciada pela Organização das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948. Sua inspiração, porém, foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela Assembleia Constituinte da França, após a Revolução Francesa, de 1789. E foi em homenagem a esse movimento, deflagrado a partir da queda da Bastilha, em 14 de julho deste ano, que a data foi escolhida para marcar o Dia Mundial da Liberdade de Pensamento. Assim, a comemoração desse 14 de julho representa bem mais do que uma revolução pela liberdade, igualdade e fraternidade; significa a sobrevivência desses ideais e a importância de sua preservação para o futuro da nossa civilização.

De fato, não é possível imaginar uma sociedade civilizada sem o direito à livre liberdade de pensamento e de expressão. Em meio à tanta intolerância e preconceito, precisamos buscar aquilo que fez a humanidade sair das cavernas e chegar até aqui: a capacidade de ouvir e aceitar ideias contrárias para encontrar um caminho em comum. Desde a pré- história, a troca de experiências e o diálogo constante possibilitaram o avanço da ciência, do direito e das regras básicas para uma convivência civilizada. Não precisamos concordar em tudo, apenas procurar o comum e não o idêntico; o razoável ao invés do ideal; o possível antes do perfeito.

Essa é a beleza da liberdade de expressão e de pensamento: não é possível exercê-la sozinho. O livre direito de pensar e falar não pode ser individual, só faz sentido se for amplo e irrestrito. Você tem todo o direito de exercer essa liberdade, mas ela nunca será digna desse nome se não incluir todos os seus interlocutores. Cada um tem o direito de discordar, mas o dever de respeitar todas as opiniões contrárias. Lembremos sempre daquela máxima do filósofo Voltaire, uma das principais figuras do Iluminismo, movimento que inspirou a Revolução Francesa: “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las.”

No cenário mundial atual – que ainda convive com uma guerra sem sentido na Ucrânia, atentados quase semanais nos Estados Unidos e o assassinato do ex premiê japonês – a frase de Voltaire parece uma quimera. No Brasil dos últimos dias – com manifestações cada vez mais violentas e um assassinato, por motivos políticos, no sábado passado – a pensata do filósofo francês fica invertida: Posso concordar com algo que você disser, mas defenderei até com sua morte minhas outras opiniões. A irracionalidade, que até então era uma marca do nosso futebol – com torcedores que matam e morrem apenas por gostarem de clubes diferentes – se transforma, cada vez mais, em um novo e triste atributo da política brasileira. Quase 40 anos após a redemocratização do país e às vésperas do bicentenário da Independência, parece que perdemos algo nesse caminho.

Para reencontrar nosso rumo, talvez seja útil começar lembrando o artigo 5.º da Constituição de 1988: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade.” Mais adiante, no artigo 220, está explícito que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição”. Qual parte será que não foi entendida por quem faz ameaças pela internet, lança foguetes ou sai atirando em manifestações de adversários políticos? E o que pensam em ganhar com isso, além de dar um tiro no pé do seu próprio candidato?

Em tempos assim, precisamos aproveitar esse Dia Mundial da Liberdade de Pensamento para recuperar aqueles valores pelos quais tantas vidas foram sacrificadas na história da humanidade. No caso brasileiro, podemos sempre nos inspirar naqueles inconfidentes mineiros, que no mesmo 1789 da Revolução Francesa, mas a 8.500 km de distância, pagaram com a vida ou o degredo pelo direito de se expressar. E ninguém melhor do que Cecília Meireles para traduzir aquele sentimento, na magnífica obra “Romanceiro da Inconfidência”. Que seus versos nos ajudem a retomar o sonho de uma sociedade justa, tolerante e solidária:

“Tenha meus dedos cortados,
Antes que tal verso escrevam…
LIBERDADE, AINDA QUE TARDE,
ouve-se ao redor da mesa.
E a bandeira já está viva,
e sobe, na noite imensa…
Ó vitórias, festas, flores
das lutas da Independência!
Liberdade – essa palavra
que o sonho alimenta:
que não há ninguém que explique,
e ninguém que não entenda.”

Silvio Bressan

Sócio-diretor da Fato Relevante

Bressan é jornalista graduado pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS), com especialização em Estilo Jornalístico. Tem 35 anos de experiência como jornalista e assessor.  No setor público, foi assessor da liderança do governo na Câmara Municipal (2005-2008), chefe de gabinete da Secretaria de Comunicação da Prefeitura Municipal de São Paulo (2019) e assessor especial na Câmara (2020). Em redação, entre 1986 e 2005, trabalhou nos grupos RBS (repórter e subeditor), Gazeta Mercantil (repórter), Editora Abril (editor), Jornal da Tarde (repórter de Política) e O Estado de S.Paulo (repórter especial). Como repórter ou assessor, já atuou em mais de 20 campanhas eleitorais em São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso e Ceará.