UM DIA PARA REFLETIR A DEMOCRACIA QUE QUEREMOS

Por Silvio Bressan, sócio-diretor da Fato Relevante

Publicado em 3 de MAIO de 2022


Se numa guerra a primeira vítima é sempre a verdade, como define um aforismo de autoria desconhecida, numa democracia o primeiro crime a ser evitado é contra a liberdade de imprensa. Em tempos tão confusos e nesse ano eleitoral, quando os próximos quatro anos do país estarão em jogo nas urnas, é mais do que necessário saudar a data de hoje, Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, e avaliar o compromisso de cada candidato com esse princípio.  Sua perda é só o primeiro sacrifício no altar do Estado de Direito e na ante-sala da ditadura. É a senha para os aproveitadores de plantão e a porteira aberta para a invasão dos bárbaros contra a liberdade, os direitos civis e as garantias constitucionais.

   Por “perda” aqui deve se entender não só o fim, mas qualquer limitação à atuação da imprensa. Como já ensinava, há mais de 200 anos, o ex-presidente americano Thomas Jefferson, “nossa liberdade depende da liberdade de imprensa, e ela não pode ser limitada sem ser perdida”. É claro que a liberdade, seja de imprensa ou de qualquer indivíduo, não é um valor absoluto, acima de todos os princípios morais e éticos.

   Fica dito e escrito aqui que essa liberdade não dá o direito a ninguém de cometer crimes em seu nome. Para tais delitos, porém, existe o código penal e seu autor precisará responder pelas palavras e atos que cometer contra a lei. O poeta chileno Pablo Neruda já dizia que “você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências”.

   Não se pode admitir, por exemplo, que alguém use a liberdade para atacar a própria liberdade e os direitos constitucionais que garantem o funcionamento da sociedade. A liberdade só faz sentido se estiver a serviço da verdade. Como já dizia o escritor russo Liev Tolstoi, “não alcançamos a liberdade buscando a liberdade, mas sim a verdade. A liberdade não é um fim, mas uma consequência.”

   Essa busca da verdade, entretanto, só é possível com liberdade de imprensa. Em 37 anos de redemocratização no Brasil, temos fartos exemplos de denúncias e investigações que ajudaram na criação de mecanismos para o fortalecimento do estado de direito. Não fosse a atuação da imprensa e os diversos escândalos desvendados (desde “P.C Farias” e “Anões do Orçamento” até o “Mensalão”) seria difícil imaginar inovações como a Lei de Responsabilidade Fiscal ou a Lei da Ficha Limpa.

   Num exemplo mais recente, o escândalo do Petrolão, que teria desviado mais de R$ 30 bilhões da Petrobrás, foi a grande inspiração para a chamada “Lei das Estatais” (13.303/2016), que estabelece critérios objetivos, impessoais e transparentes na nomeação dos membros dessas empresas. Os exemplos também podem ser buscados fora da esfera pública. Sem as denúncias constantes e revoltantes de violência contra a mulher não haveria a Lei Maria da Penha (11.340/2006), que estabelece punições e protege a mulher contra qualquer brutalidade doméstica e familiar.

   Da mesma forma, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), o Estatuto do Idoso (10.741/2003) e a Lei de Cotas (12.711/2012) vieram na esteira de denúncias sobre o preconceito e a discriminação contra essas faixas da população. Sem liberdade de imprensa, seria difícil imaginar todos esses avanços. Não existem leis de proteção e inclusão social num regime autoritário simplesmente porque ali a imprensa sofre censura. Logo, a classe política não é cobrada e o governo não precisa dar qualquer satisfação à sociedade. 

   Esses anos de chumbo não podem voltar, mas é preciso sempre lembrar a frase atribuída ao orador irlandês John Philpot Curran sobre o preço da liberdade ser a eterna vigilância. Numa época que se questiona a forma da terra, a ida do homem à Lua e a eficiência das vacinas, a liberdade de imprensa não está a salvo e precisa ser defendida. Segundo dados da ONU, em 2021 foram assassinados 55 jornalistas no mundo. Nos últimos anos, 9 em cada 10 desse tipo de assassinato não foram solucionados. No Brasil, entre 1995 e 2018 foram 64 execuções de profissionais da imprensa, segundo levantamento feito em 2019 pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Em 2021, o Brasil entrou na zona vermelha de liberdade de imprensa, a segunda pior categoria na classificação de risco das ONG “Repórteres sem Fronteiras”.

   Em tempos assim, não se admite qualquer concessão na defesa da imprensa livre e na condenação de todo o ato violento contra esses profissionais. Por isso mesmo também é importante prestar atenção no que dizem os candidatos sobre o assunto. Não se trata aqui de uma questão ideológica – até porque ditaduras e discursos contra a imprensa existem à direita e à esquerda – mas de uma escolha sobre que país queremos ter nos próximos quatro anos.

  E aí talvez não seja preciso exagerar na escolha proposta por Thomas Jefferson: “Se fosse deixado a mim decidir se deveriam ter um governo sem jornais ou jornais sem um governo, não hesitaria um momento em preferir este último”. De qualquer forma, não se pode jamais abrir mão da liberdade de imprensa, seja que imprensa for. Como já pontuava o escritor francês Albert Camus, “uma imprensa livre pode, é claro, ser boa ou ruim, mas, certamente sem liberdade, a imprensa será sempre ruim”.

Silvio Bressan

Sócio-diretor da Fato Relevante

Bressan é jornalista graduado pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS), com especialização em Estilo Jornalístico. Tem 35 anos de experiência como jornalista e assessor.  No setor público, foi assessor da liderança do governo na Câmara Municipal (2005-2008), chefe de gabinete da Secretaria de Comunicação da Prefeitura Municipal de São Paulo (2019) e assessor especial na Câmara (2020). Em redação, entre 1986 e 2005, trabalhou nos grupos RBS (repórter e subeditor), Gazeta Mercantil (repórter), Editora Abril (editor), Jornal da Tarde (repórter de Política) e O Estado de S.Paulo (repórter especial). Como repórter ou assessor, já atuou em mais de 20 campanhas eleitorais em São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso e Ceará.