Novo governo quer resgatar e atualizar agenda ambiental perdida
Por Bruno Blecher, sócio-diretor da Fato Relevante
Publicado em 08 de NOVEMBRO de 2022
Não por acaso, um grupo de pesquisadores anunciou a descoberta de uma árvore gigante no coração da Amazônia na mesma semana em que Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, foi confirmado deputado federal eleito por São Paulo.
A árvore, a maior já encontrada na Amazônia, tem 88,5 metros de altura e 9,9 metros de circunferência.
Já a estatura de Ricardo Salles foi seriamente comprometida por sua conturbada e desastrosa gestão à frente do Ministério do Meio Ambiente.
Salles pediu demissão do governo em junho de 2021 após a abertura de investigações contra ele para averiguar ligações com o tráfico ilegal de madeira. Ele virou “meme” depois de recomendar, durante uma reunião ministerial em abril de 2021, que o governo deveria aproveitar-se da pandemia para “ir passando a boiada” e desregulamentar uma série de normas legais, já que a imprensa estava ocupada à época com a cobertura da tragédia provocada pelo Coronavírus.
Durante a sua gestão no Ministério, a Amazônia registrou número recorde de desmatamentos e queimadas, favorecidas pelo desmantelamento da fiscalização ambiental. Após a sua saída, seu sucessor manteve a política anti-ambiental de Bolsonaro.
A árvore gigante localizada na Amazônia, um angelim vermelho, tem cerca de 400 anos e está próxima ao Rio Jari, na divisa entre os Estados do Amapá e Pará. Ela fica numa área de mata nativa e fechada, de difícil acesso, portanto protegida de motosserras.
As pesquisas para mapeamento das árvores gigantes começaram em 2016, com financiamento do Fundo da Amazônia, o mesmo fundo que está paralisado desde 2019, quando o então ministro Salles tentou mudar os seus mecanismos de gestão.
Com recursos de doações da Noruega, da Alemanha e da Petrobras, o Fundo Amazônia financia projetos para prevenção, monitoramento, combate ao desmatamento e uso sustentável da floresta, ações que nunca interessaram ao governo Bolsonaro.
Emissões
A eleição de Lula no último dia 30 de outubro animou lideranças internacionais que têm o combate às mudanças climáticas entre as prioridades de seus governos. Eles esperam uma guinada na política ambiental brasileira, principalmente no combate e redução do desmatamento na Amazônia.
Pelo quarto ano consecutivo, o Brasil aumentou as suas emissões de gases efeito-estufa devido ao grande aumento do desmatamento na Amazônia durante o governo Bolsonaro. A mudança no uso da terra é a principal fonte dos gases de efeito estufa liberados na atmosfera pelo país.
A destruição da vegetação dos biomas brasileiros foi responsável pelo lançamento de 1,19 bilhão de toneladas brutas de CO2 na atmosfera. Esse total é maior que todas as emissões do Japão (1 bilhão de toneladas em 2020).
Além do recorde do desmatamento na Amazônia, Cerrado e Pantanal e do aumento da emissão de gases de efeito estufa, o presidente eleito vai herdar de seu sucessor um grande passivo ambiental que inclui invasão de terras indígenas por garimpeiros e madeireiros, grilagem de terras e desmonte do Ibama e ICMBio.
Política transversal
Trabalhar juntos contra as mudanças climáticas e proteger o meio ambiente.
Estes foram os recados de líderes como Biden (EUA), Macron (França) Rishi Sunak (Reino Unido) e Olaf Scholz (Alemanha), que felicitaram Lula poucas horas após a vitória do ex-presidente.
Lula foi eleito presidente do Brasil uma semana antes da abertura da COP 27, a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 27), aberta no domingo (6) em Sharm El Sheikh, no Egito, em um ambiente de grande pressão e expectativas. A convite do governo do Egito, o presidente eleito vai participar da Conferência.
No final de outubro, três agências das Nações Unidas divulgaram relatórios alarmantes sobre a questão climática. A conclusão é que pouco ou nada foi feito para cumprir a meta acordada na COP de Paris, em 2015.
Os compromissos internacionais sobre o clima estão muito longe de responder ao objetivo do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5 grau Celsius.
“Ainda não estamos nem perto do nível e do ritmo das reduções de emissões necessárias para nos colocar no caminho de um mundo de 1,5 grau Celsius”, disse Simon Stiell, secretário-executivo da agência da ONU para Mudanças Climáticas.
Ex-ministra do Meio Ambiente e eleita deputada federal, Marina Silva teve um papel importante na campanha de Lula e deve influenciar a política ambiental do novo governo. Seu objetivo é o de “resgatar a agenda socioambiental brasileira perdida”.
Para Marina, a política ambiental do governo Lula será transversal.
“Precisa haver um diálogo entre ecologia e economia, assim com outros setores do governo como transporte, agricultura e energia, para colocar a questão climática no mais alto nível de prioridade. É o caminho para a gente construir a economia do futuro”, propõe Marina Silva.
Um dos principais desafios é conciliar as agendas dos ruralistas e ambientalistas, que embora ainda vivam em pé de guerra têm inúmeros pontos comuns e um papel fundamental para a economia sustentável.
Bruno Blecher
Sócio-diretor da Fato Relevante